Processos Éticos e Judiciais Contra Médicos – Uma Dura Realidade

Originalmente publicado na SOMERJ Em Revista Nº 84.

Vários são os fatores que vêm contribuindo para que existam cada vez mais processos judiciais contra os médicos e há a necessidade urgente de o médico se adequar a essa realidade, ou viverá correndo risco de responder por processos éticos e judiciais.

Inicialmente se faz necessário o entendimento por parte da classe médica que existem três esferas de aplicabilidade para o paciente exercer os seus supostos direitos: esfera civil, esfera administrativa (ética) e esfera penal.

Essas esferas são independentes, mas podem exercer muita influência nas demais, vejamos: um paciente acredita ter o médico cometido erro médico em sua cirurgia e precisa constatar o erro médico, então ele leva o caso ao Conselho Regional que o médico está inscrito para apuração do erro.

O Conselho instaurará uma sindicância para averiguar se a acusação tem fundamento e somente verificado um possível ato antiético do médico é que se instaurará o processo ético. Nesse caso, o médico responderá na esfera administrativa e a normativa a qual estará submetido será o Código de Ética Médica. Normativa essa criada pelo CFM para regulamentar a ética do médico em seu atuar.

Esse mesmo paciente resolve buscar um dano moral pelo suposto erro cometido pelo médico, então recorre ao judiciário buscando pelos seus direitos. Essa é a esfera civil. O paciente deseja ser ressarcido financeiramente pelo médico.

Importante destacar que em regra na esfera civil a lei a qual o médico responde em seu atuar é o Código de Defesa do Consumidor, podendo utilizar como analogia o código de ética médica sempre que esse não apresentar conflito com as leis brasileiras.

Na esfera civil há também a responsabilidade do médico que atua pelo SUS, e este não responde pelo Código de Defesa do Consumidor, mas sim pela responsabilidade civil prevista na Constituição, assim como as empresas privadas que atuam pelo SUS.

Há também a esfera penal, na qual se busca o motivo do óbito do paciente para verificar se foi por erro médico. Nesse caso o médico responderá pelo Código Penal.

Conforme demonstrado, o médico pode responder por uma esfera, duas esferas ou até as três esferas. As esferas, mesmo sendo totalmente independentes, podem refletir uma, na outra, por exemplo, o médico que vence o processo na esfera administrativa poderá levar aquela decisão favorável ao processo civil instaurado contra si e o juiz entender que não houve o erro médico e absolver o médico baseado no laudo da esfera ética.

Porém, se torna necessário esclarecer que responder a um processo, seja ele administrativo, civil ou penal, não quer dizer que o médico foi condenado, mas sim que o paciente está buscando acessar um direito que ele acredita possuir, podendo o médico ter sido parte do processo, mas ter sido absolvido.

Contudo, muitos fatores têm levado os médicos aos bancos dos réus, fatores esses que, na maioria poderiam ser evitados. Destaco aqui os principais no meu entendimento e experiência de 14 anos atuando na defesa e consultoria médica:

a) deixar o médico de elaborar a documentação médica de forma adequada;

b) a falta do conhecimento adequado da classe sobre as normativas éticas e leis brasileiras às quais respondem;

c) falta de aproximação do médico com o direito, isto é, faculdades de medicina não preparam os alunos para a realidade jurídica e ética que irão responder;

d) a quebra da relação médico- paciente, antes uma relação de confiança, hoje uma relação de desconfiança;

e) total amparo legislativo ao paciente — que é visto como um consumidor e o médico um fornecedor de serviço — assim, o paciente possui todos os benefícios do Código de Defesa do Consumidor, como a inversão do ônus da prova;

f) falta de interesse do médico em se atualizar às novas e recentes exigências legais e protetivas da sociedade, só se conscientizando após receber uma citação para responder a processos. Temos ainda uma sociedade exageradamente litigante e uma mídia sensacionalista favorável às questões dos pacientes; estamos vivenciando a crise do dano moral, que faz com que o paciente busque demandar o médico judicialmente quando diante de qualquer dúvida surgida nos procedimentos.

Assim, vivemos uma verdadeira enxurrada de ações, na qual o paciente vê o médico como uma classe financeiramente elevada e que poderá conseguir algum benefício do médico.

E como evitar os processos de erro médico?

Deve se elaborar um prontuário que tenha legalidade jurídica e esteja preenchido adequadamente.

De que maneira? Fazendo uma anamnese adequada; preenchendo bem a história clínica do paciente; relatando o exame físico o mais completo possível e solicitando os exames necessários para esclarecer a hipótese diagnóstica.

No entanto, neste último caso, deve-se ter cuidado para não se fazer uma medicina defensiva, solicitando apenas os exames adequados e traçando um plano de tratamento com seu paciente.

Também, deve-se ficar atento para cumprir sempre o dever de informação — explique de forma clara e completa ao paciente o que está ocorrendo — transcrevendo no termo de consentimento informado tudo o que foi conversado; atendendo de forma humanizada; crie uma boa relação com o seu paciente; cumpra sempre o segredo de sigilo profissional do paciente.

Nunca faça exames físicos íntimos sem a presença de um auxiliar na sala de exames.

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