O Médico e o Código de Defesa do Consumidor

Originalmente publicado na SOMERJ Em Revista Nº 85.

Inicialmente, há a necessidade de entender a lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Essa lei, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, dispõe sobre a proteção do consumidor e os deveres dos fornecedores de serviços.

Assim, nos traz a lei em seu Art. 2º que o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; e o Art. 3º que o fornecedor é toda pessoa física, ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos, ou prestação de serviços.

A partir de 1990 o médico, em regra, como todo profissional prestador de serviço, começou a responder civilmente por essa lei. O Código de Defesa do Consumidor é uma lei criada para proteger o consumidor, que é o paciente, sendo o fornecedor de serviço o médico.

Apesar de o Código de Ética Médica trazer em seu corpo que a medicina não pode ser mercantilizada e que também não pode ser tratada como uma relação de consumo, há de se entender que na Esfera Cível, pela Hierarquia das normas, será o Código de Defesa do Consumidor a lei que pautará a relação médico-paciente, por se enquadrar, segundo jurisprudência pacífica dos Tribunais, como sendo uma relação de consumo. Sendo assim, imperioso que os médicos conheçam a normativa brasileira a qual estão respondendo nos Tribunais de Justiça.

Com a inserção do paciente ao Código de Defesa do Consumidor, este trouxe maiores garantias ao paciente/consumidor; como maior protecionismo legislativo ao paciente; inversão do ônus da prova em favor do paciente; manutenção de assistência jurídica integral e gratuita ao paciente carente; obrigatoriedade do dever de informação entre outros deveres anexos à relação de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor possui princípios que precisam ser conhecidos e observados: Princípio da Vulnerabilidade, Princípio da Transparência, Princípio do Dever de Informação e o Princípio da Boa-Fé.

O Princípio da Vulnerabilidade preconiza que vulnerável é a parte mais fraca da relação, sendo que, reconhecidamente, aqui é o paciente o vulnerável. Notadamente é o médico que detém o conhecimento técnico e científico, sendo o paciente a parte suscetível ao tratamento proposto pelo médico. Nessa relação o paciente é aparte frágil intelectualmente, uma vez que desconhece a técnica e a ciência.
Esse princípio traz a regra da Inversão do Ônus da Prova, uma vez que cabe a quem produz a prova técnica/científica apresentá-la sempre que parte de um processo civil.

Observemos o julgado do STJ na AC 0031175-66.2008.8.19.0021,de 11/03/2015: No entanto, conforme decidido pelo STJ, essa responsabilidade, malgrado subjetiva, se dará com inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios à sua atuação profissional. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva com culpa presumida.

O Princípio da Transparência valida que o paciente tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos do serviço prestado pelo médico durante seu tratamento, traduzido assim no princípio da informação.

É dever do médico sempre que propor um tratamento ao paciente levar todas as informações de forma clara e objetiva ao mesmo. Este Princípio vai ao encontro do Princípio do Dever de Informar, que tem o médico sempre que for propor um tratamento.

É direito do paciente ser informado de forma adequada de todos os riscos, danos iatrogênicos, intercorrências que o tratamento pode causar-lhe, assim como as opções de tratamento e como será o pós-tratamento. É dever do médico ajustar com o seu paciente o tratamento que será realizado, fornecendo ao paciente eletivo direito de escolha. Esse dever de informação se traduz no Termo de Consentimento Informado, uma das documentações que devem compor o prontuário do paciente.

Nesse sentido, a redação do Art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor relata “são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem“.

O Princípio da Boa-Fé objetiva aborda o dever imposto de atuar com lealdade e cooperação, de forma que o atuar médico possa buscar atingir a legítima expectativa do paciente.

Daí decorrem outros deveres anexos, como o dever de conduta imposto ao médico e o dever de agir lealmente. Também há o dever de elaborar a documentação do paciente sem se abster de informações ou de adulterar o prontuário do paciente.

Esse Princípio apresenta a ideia de cooperação, respeito e fidelidade na relação médico-paciente. Refere-se àquela conduta que se espera das partes, com base na lealdade e fidelidade.

Importante salientar que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável a atendimento custeado pelo SUS em hospitais privados conveniados. No recurso especial nº 1.771.169 – SC (2018/0258615-4) a Relatora Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que problemas relacionados ao atendimento médico custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em hospitais privados não estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas sim às regras que tratam da responsabilidade civil do Estado.

Dessa forma, caberá ao advogado do médico em sua defesa suscitar o Art. 37, §6º da CF sempre que o médico estiver atuando pelo SUS, tornando-o parte ilegítima em processo de Responsabilidade Civil.

Nesse sentido, o médico sendo um conhecedor da lei brasileira que responde, poderá produzir o prontuário do paciente com zelo e presteza, cumprindo o seu dever de informação para com o seu paciente e sabendo que o prontuário é o principal elemento do seu conjunto probatório, sempre que este precisar apresentá-lo em sua defesa nos processos judiciais de responsabilidade civil, bem como nos processos éticos disciplinares junto a seu Conselho de Classe.

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